Tenho aprendido na pele, sendo pai, e com minha esposa (praticamente minha tutora em Montessori e disciplina positiva ) , que aquela história de que uma palmada de vez em quando é necessário é ‘balela’ (para não falar estupidez).
Talvez essa metodologia (palmada) tenha sido usada e aceita nos séculos passados ,com maior frequência, justamente devido a falta de informação que existia, ou seja, ignorância mesmo.
Para você entender o quanto a ‘palmada’ está longe de ser algo aceitável como ‘cultura’ ou ‘ferramenta educacional’ basta você visualizar a seguinte situação.
Imagina um homem , casado com uma mulher e que juntos eles tem uma filha de aproximadamente 3 anos. Eles estão de um churrasco entre família e amigos, e de repente você vê esse homem ‘dando uns tapas’ na esposa, no meio do churrasco, na frente da filha e de todos ali presente. Hoje em dia, esse ato já é cada vez mais mal visto pela sociedade (ainda bem) e existe grande probabilidade de que alguém faça uma intervenção diretamente ou até mesmo chame a polícia.
Hoje em dia na verdade, esse ato já é considerado crime. Boa parte disso está associado ao machismo, mas uma outra boa parte disso, da qual pouco se fala, é que essa violência está associada a educação.
Imagine que você vê essa mesma família no churrasco, e você vê esse homem ‘dando uns tapas’ (palmadas) na filha de 3 anos. A maioria das pessoas aceitariam isso e ‘passariam batido’. Aceitariam que aquilo é uma ‘correção’ que um pai estivesse dando na filha, educando e ensinando algo, e logo, não cabe nenhuma intervenção externa.
Ainda que você não concorde com a metodologia, praticamente nem você e nem ninguém se atreveriam a fazer uma intervenção nessa situação, diferentemente da primeira situação onde o pai batia na esposa.
Você consegue reparar o absurdo que é isso?
Ou seja, a sociedade luta para que o homem não possa bater em uma pessoa do sexo feminino, maior de idade, porém, permite que este (ou qualquer mãe) bata em uma ‘pessoa do sexo feminino’ (ou masculino) de 3 ANOS (ou até menos) DE IDADE PARA EDUCAR? Isso é o absurdo do absurdo e só ocorre porque quando temos absurdos que formam parte de nossa cultura, da nossa sociedade, somos incapazes de enxergar o absurdo como tal.
Uma vez li um post muito bom em um perfil do instagram que sigo (canalserpai), que dizia : ‘Seu filho/a tem idade para entender o que você fala? Se não tem idade suficiente para entender o que você fala por que você acha que tem idade para apanhar? Caso tenha idade para entender o que você fala por que bater ao invés de conversar?’
Ainda que em 2014 tenha sido aprovado a ‘ Lei da Palmada ‘, que proíbe ‘castigo físico’ que cause ‘sofrimento físico’, é ainda muito subjetiva e está longe de tratar a palmada como violência doméstica.
Vamos ser claros, se palmada corrige, educa e ensina, por que não podemos dar uma ‘palmada’ em alguns companheiros de trabalho, amigos ou familiares quando precisamos ensinar algo à eles? Palmada na verdade se tornou uma expressão ‘dócil’ para representar a violência física com uma criança. Isso faz com que um mesmo tapa venha a ter uma interpretação distinta (criminosa) quando aplicado em um adulto.
Ignoramos esse absurdo por várias razões, as principais talvez sejam :
1 – A criança não tem ‘voz’ e logo não pode se defender e lutar pelos seus direitos.
2 – A maior parte dos adultos de hoje em dia já tomaram algumas palmadas no passado e acreditam que isso não os afetou em nada negativamente, logo, opinam de que não seja necessário mudar essa conduta.
3 – Muitos adultos já deram algumas palmadas em algum filho/a no passado (já que isso era algo totalmente normal e aceitável pela sociedade) , o que por sua vez dificulta muito a discussão desse tema de forma aberta e clara. Para discutir esse tema de forma aberta é preciso estar disposto a reconhecer erros, não necessariamente assumir culpas, mas reconhecer os erros, pois quando se trata de algo cultural a culpa na verdade é sistêmica, onde se aplicava e incentivava o uso de uma ferramenta educacional (palmada) da qual estava errada. Mas ainda assim, ninguém gosta de assumir os erros do passado, aceitar e defender uma nova postura. Isso gera muita intriga e muita reflexão, e ultimamente somos uma sociedade onde ‘sabemos muito’ e refletimos pouco.
4 – Uma pessoa que erra no passado e decide defender uma nova postura no presente, muitas vezes é chamada de hipócrita de forma totalmente injusta. Por essa razão também é que muitas vezes é difícil convencer as pessoas de reconhecer erros e defender um novo posicionamento a respeito de algum tema, pelo suposto medo de ser taxado/a de hipócrita pela sociedade. O fácil mesmo é não se ‘molhar’ e seguir a vida pela sombra.
A discussão sobre esse tema exige um alto grau de entendimento e aceitação sobre os erros do passado para não condenar mães e pais que no passado batiam nos filhos em uma época que isso fazia parte da nossa sociedade ‘moderna’.
É preciso focar no presente e no futuro, e para isso é preciso também entender e relevar de certa forma o passado, do contrário gastaremos muito tempo discutindo e condenando o passado, o que por sua vez, irá atrapalhar a nossa evolução como espécie e sociedade.
Não me esqueço nunca do que minha esposa me disse quando nasceu o nosso filho : ‘ Voce, se vai comprar um carro, um computador ou um celular, pesquisa tudo. Vê os novos modelos, compara, analisa as novas tecnologias, o que vale a pena, o que melhorou, e tudo mais. Mas para aquilo que é mais importante na sua vida (filho) você acha que não precisa pesquisar absolutamente nada. Foram feitos diversos estudos ao longo dos anos sobre os acertos e os erros do passado quanto a criação e educação dos filhos, mas justamente para isso, você tem preguiça de se informar. ‘
Isso foi o suficiente para que eu começasse a aceitar que certamente meus pais fizeram o melhor que puderam para me educar, mas isso não significa que eu tenha que fazer exatamente igual. Posso e devo pelo menos tentar aprimorar aquilo que eles fizeram por mim, e espero, que caso meu filho venha a ser pai um dia, que ele esteja disposto a tentar ser melhor do que eu também.
Para mudar e evoluir é preciso quebrar ciclos, romper barreiras e paradigmas, enfrentar os erros e falar daquilo que quase ninguém gosta de falar, do contrário não evoluiremos.
Uma vez, ainda nesse ano de 2019, tive uma conversa com um espanhol aqui no trabalho, e o final da conversa foi mais ou menos assim :
ESPANHOL : Como se nota que voce e a sua esposa são de uma cultura diferente da nossa. Aqui uma palmada de vez em quando é mais que normal.
EU : Não é uma questão cultural, na verdade é educação. E graças a minha esposa principalmente, eu tenho aprendido o quanto essa coisa de palmada é errada. Por que você acha que se deve bater em crianças?
ESPANHOL : Porque as vezes é preciso para ensinar quem está no controle e ao mesmo tempo para mostrar que o que está fazendo é errado.
EU : Mas então se entrar um adulto aqui na minha loja e fizer algo errado (no meu ver) posso dar uns tapas nessa pessoa também para ensinar o certo?
ESPANHOL : Claro que não.
EU : Por que não?
ESPANHOL : Porque precisa respeitar as pessoas.
EU : E por que não respeitamos as crianças?
A conversa terminou assim, já que não existe justificativa lógica para defender a violência contra uma criança, muito menos justificando que é para educar.
Palmada não educa e não acrescenta absolutamente em nada positivo na vida de ninguém. As únicas consequências que uma ‘palmada’ pode ter é ensinar a evitar de fazer algo por medo e/ou exigir algo a través da força / violência, nada mais.
A palmada na verdade acaba distanciando seu filho/a de você. Inúmeras crianças deixam de contar coisas gravíssimas aos pais por medo de palmada e castigo. No fundo elas são incapazes, muitas vezes, de diferenciar um erro próprio de um erro alheio, e por isso, muitos casos de abusos, por exemplo, só saem a tona depois de anos, quando essas crianças crescem e entendem que no fundo elas não eram culpadas de nada e sim vítimas.
Eu agradeço sempre e cada vez mais a minha esposa por ter me ensinado muito sobre todos os estudos que existem hoje em dia que provam por A + B que palmada não ajuda em nada. Eu honestamente acreditava que de vez em quando seria algo necessário, mas hoje reconheço que estava errado. Aprendi a conversar com meu filho desde que ele nasceu e hoje em dia só tenho a agradecer. Ao mesmo tempo venho aprendendo muito sobre o autocontrole, já que a violência física que ‘descontamos’ nas crianças é justamente o resultado de uma falta de controle sobre uma certa situação.
Sempre compartilho uma frase de uma música (Mílo) de um cantor porto riquinho (Residente) com todas as pessoas que converso sobre filhos : ‘ Veníste a enseñarme como es que se aprende’ (Voce veio me ensinar como é que se aprende).
A palmada foi uma cultura até o século XX, mas nesse século XXI já não será. Valores e leis se modificam de acordo com o tempo e com a evolução da sociedade. Não precisamos assumir sempre a culpa de erros culturais mas precisamos reconhece-los em nossas próprias atitudes para poder seguir evoluindo.
Assim que você, pai, mãe ou pessoa que cuida de uma (ou várias crianças) entendam uma coisa : Antes de dar uma ‘palmadinha’ reflita bem, porque ao mesmo tempo em que você acha que está corrigindo um erro você está ensinando aquela criança que bater educa, bater ensina, bater ajuda.
E depois de ensinar isso, quando elas se tornem adultas, as consequências podem ser graves.
Para finalizar, separei algumas frases que li de algumas mães em uma discussão no canalserpai e quero que você me diga se não é triste ler, ver e saber que isso ainda é uma ‘cultura’:
‘Geração mimimi sem valores. Criança precisa ter medo de pai e mãe sim’
‘Como mãe tenho toda autoridade do mundo pra educar meus filhos como eu bem entender. Se eu achar que devo bater, vou bater sim‘
‘Esse blá blá blá de trauma é agora dessa geração mimimi‘
‘Agradeço por cada palmada e meus filhos vão apanhar sim‘
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